1 de julho de 2009

Oferenda

Rosas brancas com curtos caules deitavam na cama, ao lado de três sabonetes embalados (um para cada pedido) e um mini-barco de madeira oca. Mãe e filha aprontavam-se no banheiro. Os cabelos ainda molhados umedeciam os ombros dos vestidos brancos, que lhes cobriam o corpo.
- Não exagera no perfume; afasta os santos e os bons moços – disse a mãe, morena de nascença e de sol, alta, de cachos no cabelo.
- Exagero é ter de fazer isso todo ano, sem vê mudança - falou a menina, que à mãe em muito se assemelhava. – E outra, é esse tanto que passo sempre: dois espirros no pescoço, um de cada lado, e um pouco nesse punho aqui ó – e levou o antebraço direito na altura do nariz da mãe.
- Não resmunga – revidou a mãe, virando o nariz, com cara de nojo. – Ou você acha que a comida lá de casa, as roupa, seu celular saem donde? Do chão? Do céu? – a resposta não veio. Aquietaram-se e voltaram a encarar o espelho.
Em poucas horas, o ano iria embora e daria lugar a um novo, ansioso por chegar. E, como era costume nessa família de duas (o pai havia falecido quando ainda carregava a menina dentro de si, contava a mãe), para ser bom, o próximo ano tinha de ser recebido com muita reza e oferenda. E assim faziam, há doze anos.
O pouco dinheiro que juntava das caixinhas que recebia, a mãe conseguia, dentre outras coisas, alugar na praia o mesmo cômodo onde agora estavam. O lugar era pequeno: tinha um banheirinho e uma cama de casal, que dividiam com aperto. Mas o preço e a distância do mar compensavam (ficava a quatro quadras e meia da praia).
Desde os três anos da menina, e com o desejo e a esperança de uma vida menos sofrida, que as duas fazem o mesmo ritual: no começo de dezembro a mãe liga para um homem, reserva a estada e parte para o centro, onde compra as oferendas (barco, velas, sabonetes e perfumes, as flores vivas deixa para o dia da virada). Faltando uma semana para a viagem, compra os tíquetes do ônibus e pronto, o encontro com a rainha das águas está marcado.
- Pegou tudo? – perguntou a mãe, aflita, enquanto saia do quarto. – Olha embaixo da cama pra ver se não esqueceu nada.
- Ta tudo aí. Tudo dentro do barco. Vamos, tão estourando os fogos já – garantiu a menina, empurrando a mãe para fora do quarto e fechando a porta.
Saíram. Desceram as escadas e desaguaram na multidão branca que tomava as ruas, rumando ao mar.
Com os braços carinhosamente entrelaçados, mãe e filha andaram em silêncio, acompanhando o fluxo. A noite estava pesada, quente, sem sopros de vento. Chegando à areia, tiraram os sapatos de salto alto cuidadosamente. Caminharam com os pés descalços, desviando de gente e dos lixos, deixados por gente. Aproximaram-se do mar. Meia noite. Com a água nos joelhos libertaram a oferenda contra as ondas. A mãe apontou os braços para um céu iluminado por fogos de artifício, cabeça fixa no mar, olhos fechados. Rezou. Pediu. Chorou. Sem a mesma devoção, a menina molhou os punhos, pronunciou poucas e silenciosas palavras e saiu da água. Distraída, esperou o previsível abraço da mãe. Ele veio, acompanhado de força e bênçãos. Partiram cabisbaixas, pensativas. Entraram numa padaria e cearam. O ano começara, sem novidade.

25 de janeiro de 2009

Pois é

Desde novembro não posto nada por aqui. 
Muita coisa aconteceu nesse tempo.
Tenho pensado mais e sentido menos. 
Por isso a falta de inspiração poética.

Não quero escrever para sentir.
Como agora.
Quero sentir para escrever.
Como quando?
Só assim faz sentido. 
Sentido. Sentir.

No mês que vem o Sinta Quem Lê! completa um ano.
Sem ambição. Tímido.
Um espaço de experimentação. Desde o início.
Muito bom. Orgulho de mim mesmo.

Sabe-se lá quando teremos uma poesia nova por aqui.
Espero que em breve.
Enquanto isso, estou todos os dias no Holy Junk.
Escrevendo sobre cinema.
Uma delícia.

É. O Sinta Quem Lê! agora é só poesia.
Sobre o nada. Sobre coisa alguma.
Post novo aqui, só quando fizer sentido.
Este, por exemplo, não faz sentido algum.
Fez?
Faz?
Fim.

13 de novembro de 2008

Ao sair, apague a luz.

Viver não era o suficiente.
Só o olhar não bastava.
Aquele momento seria esquecido - todos são.
Pra quê lembrar?
Pra quê levar mais uma coisa na cabeça?

A lembrança pesa.
Veio a foto.
Veio a lágrima.
Foi-se o momento.
Últimas palavras.

É, pela manhã é sempre mais difícil.
Luz acessa.
Tensão no olhar.
Do lado de fora, chuva.
Isso é bom.

As lágrimas perdem-se na chuva.
Como os momentos no tempo.
Como aquele momento.
Perdido.
Perdido?

Foto.
É pra isso que ela serve.
Guarda. Faz lembrar.
É melhor ir embora.
Sumir.
A distância cura.
To indo.

Ela está diferente hoje.
Deitada na cama.
Sozinha agora. Nunca esteve.
Perdida. Esquecida.
É o preço que se paga.
Repousa a mão. Espera.

O depois vai chegar.
Companhia.

Foto de Ana Carolina Rodrigues

5 de novembro de 2008

O pescador de idéias.

Na última segunda-feira, 03/11, foi ao ar na TV Cultura o programa Roda Viva, com a participação de David Lynch.

Cultuado cineasta americano, Lynch é conhecido por filmes bizarros, que abusam de elementos nonsense e preservam a identidade de um verdadeiro artista.
Uns odeiam, outros tantos amam. Estou no grupo dos que amam – mesmo não entendendo muito sua proposta.

Por mais que sua filmografia seja de extrema relevância para o cinema considerado “moderno”, ela não foi o centro das atenções na pauta do programa.

Lynch acaba de lançar um livro sobre meditação transcendental, chamado Em Águas Profundas – Criatividade e Meditação, e tem se dedicado à divulgação do tema por vários países (ele veio ao Brasil em agosto, momento em que gravou o Roda Viva).

Ainda não li o livro (repito, ainda), mas o ponto defendido por Lynch na obra é a prática da meditação como rica fonte de inspiração, criatividade e, principalmente, da felicidade eterna. E, me diz, como duvidar de um cara que fez filmes brilhantes, criativos desde a atitude do figurante que não aparece, às reviravoltas mais “pulga-atrás-da-orelha” do cinema? Não dá, né. Essa tal meditação deve mesmo funcionar. E mergulhar nos níveis mais profundos da consciência humana atrás de boas idéias até que faz sentido, eu acho.

No entanto, é paradoxal pensar que um cineasta que faz obras que despertam de tudo no espectador, menos o sentimento de alegria, esteja “pregando” uma prática que facilita o acesso à felicidade eterna. Afinal, é impossível dar pulos de alegria após ver um filme como Império dos Sonhos ou O Homem Elefante.

Ainda no campo das idéias, Lynch se mostrou um verdadeiro alienado quando o assunto é...cinema!?
Pois é, ele praticamente não assiste filmes (ele se pergunta como Martin Scorsese encontra tempo para vê-los, a ponto de ser considerado um entusiasta nesse quesito), e demonstrou também não saber muito o quê se passa no cinema americano, listando apenas diretores europeus como os que, eventualmente, acompanha. Quando pressionado, citou um único diretor americano que admira muito: Paul Thomas Anderson. Sim, PTA, diretor de Boogie Nights e Sangue Negro, um dos meus favoritos há tempos.

É interessante avaliar que um artista tão influente fique, de certa maneira, distante do mundo onde sua arte ganha vida. Muito se discute que a criatividade, as novas idéias, surjam da combinação de referências, de um rico e acumulado repertório cultural, social etc.


Lynch, pelo visto, não é desses caras. O negócio dele é meditar e buscar a originalidade dentro de si.

Tem funcionado. E convenhamos, é muito mais barato do que ir toda semana ao cinema e insistir em montar uma coleção perfeita de DVDs. =p
Dá-lhe meditação.

4 de novembro de 2008

Cinema em blog experimento.

Iniciativa muito legal da Warner Brasil, que criou o Warner Bros. Pictures Lab., um blog “laboratório” sobre cinema.

Cinéfilos brasileiros estavam mesmo precisando do apoio de um grande estúdio na web. Seja na divulgação de conteúdo oficial e exclusivo de seus filmes, seja na simples abertura de um espaço mais opinativo. O melhor de tudo é que sempre rola uma promoção bacana por lá.

E se você ama cinema como eu, vale a pena também responder ao questionário sobre como deveria ser o futuro do site. Sinto que teremos uma fonte de informação interessante sobre a sétima arte no futuro. Veremos...

Dê uma olhada:
http://warnerlab.com.br/

28 de outubro de 2008

Não Queime Depois de Ler.

Textos do Tubarão Cru

Leia Cabeça Tubarão, de Steven Hall. Provavelmente o livro mais multimídia da minha estante. 
Visite o site e o blog dedicados à obra que vai entender o que estou falando.


Qual a trama? Nem pergunte...
Apenas leia antes que o filme chegue aos cinemas.


A mulher-mariposa 

Leia O Iceberg Imaginário e outros poemas, antologia poética de Elizabeth Bishop organizada e brilhantemente traduzida por Paulo Henrique Britto.

O melhor de tudo: é bilíngüe. 
Leitura nada mais que obrigatória.

27 de outubro de 2008

Penso, logo desisto.

Sem pensar, to escrevendo. 
Uma coisa é saber as coisas. Outras coisas é saber a coisa. 
Num to afim, não. 
E não é fácil se permitir. 
Ainda bem que eu to livre. 
Minhas calças estão caindo. Acho que o calor me encolheu o corpo. 
Preciso de água. 
Num penso. 
Que bosta. 

Ninguém faz essas coisas. 
Que coisas? Eu faço.
Cadê o grandioso? 
To com dor no pescoço. Será que é essa merda de calor? 
Eu não sei desenhar. Poucos sabem – muita coisa. 
To feliz hoje, mesmo com o calor. 
To precisando ver um filme foda, desses que mudam a vida. 
Nem sei por que escrevi isso. Que idiota. 
Sábado mesmo vi um que mudou minha vida. 
Um que quase ninguém nunca viu. 
E ninguém mais pode ver. Não entendem.
Não pensam.
Desistem. 

Tudo é uma questão de tempo. 
Tempo. Clima. Calor. 
Acho que to com dor na garganta. 
Preciso de água. 
É engraçado pensar que as pessoas pensam. 
Contraditório.
Eu parei de pensar. 
Desistório. 
Grudei chocolate na mão. Derreteu. 
Calor filho da puta! 
Acorda e dorme. Dorme e acorda. 
To precisando dormir. 
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzz 
Vai, pode perguntar: “Que isso?”. 
Não é. Entenda. Não é! 
Ah, eu desisto.

22 de outubro de 2008

Do dentro de lado.

Sentei na barriga cheia com sofá. 
Tinha almoço demais no comido. 
Fiquei com dormindo que acabei preguiça.

Lavei e acordei a água com o rosto. 
Mordi a boca com a unha e fiquei espelho no olhando. 
Voltei pro livro e li a cama.

Sonhando acabei dormindo. 
Mergulhei na areia e descansei no mar. [sonho]
Acordei o sol com o cabelo e sequei.

Sentei no blog e escrevi na cadeira. [real?]

Ainda dá tempo?

Vai soar ultrapassado, mas preciso comentar. Em textos anteriores falei do meu receio em assistir ao filme Ensaio Sobre a Cegueira, já que se tratava da adaptação do meu livro favorito, obra-prima de Saramago.

Se eu hesitei em assisti-lo? Que nada. Soube de uma pré-estréia e corri para o cinema. Eu temia o pior, mas acabei gostando do filme. O roteiro ficou bem acabado e sacrificou pouca coisa da obra original. Ainda assim, achei que foi o trabalho menos inspirado de Meirelles. Não sei, sinto que faltou estilo na direção (ou melhor, ele forçou um estilo). Tive a impressão de que ele se preocupou demais em passar a sensação da “cegueira branca” e se esqueceu de outros elementos. A trilha sonora, por exemplo, ficou experimental demais e soou como um ruído chato. Me incomodou e desviou minha atenção da trama em diversos momentos. 

E, por mais que a tensão e o clima apocalíptico existam, não chegam aos pés do que Cuarón conseguiu passar em Filhos da Esperança (2006), por exemplo.

Na realidade, talvez seja tudo culpa da minha expectativa: temia o pior no roteiro e fui surpreendido; esperava o melhor da direção e fiquei decepcionado. Quem não leu o livro e assistiu sem saber o que esperar, gostou muito. Devia ter feito isso. Não, acho que não devia ter feito isso. Esqueça o filme, leia o livro e seja feliz.

15 de setembro de 2008

O mês em que minhas palavras saíram de férias.

Mês passado quase não escrevi aqui. Alguns dias de férias vieram ao meu encontro e eu, garoto educado que sou, os recebi com merecida hospitalidade. Coisa meio louca, tudo muito rápido. Sem esquecer o protetor solar, fui e voltei. Quase não volto, na realidade. Peguei um furacão no meio do caminho. Mas cá estou, são, salvo e com saudade de escrever.

30 de julho de 2008

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23 de julho de 2008

Meu corpo tem veias e sangue
e vida.
Articulações recortam minha pele; abrem, fecham e me colocam em
movimento.
Células que ninguém vê, dançam ao ritmo pulsante do meu
coração.
As unhas crescem e não entendo o por quê [ninguém
entende].
Na boca, os dentes trituram palavras
engasgadas
e a saliva tenta afogar, em vão, esta língua
inquieta.

Vagando pela rua o vento chega aos meus ouvidos
e grita:
“QUER SABER SE ESTÁ VIVO?”
“Não preciso que ninguém me conte”, respondo,
olhando para cima.

Um sorriso brota em meu rosto
e o caminhar me convida a continuar.

Foto de Ana Carolina Rodrigues

2 de julho de 2008

Wall•E

O anúncio do lançamento de um novo filme da Pixar sempre me deixa eufórioco e ansioso. Passo por isso desde 1995, quando, ainda criança, fui apresentado a Woody e Buzz Lightyear, no filme que considero um dos melhores da história: Toy Story.

E, ano após ano, me encontro nessa mesma tortura. Foi assim até o lançamento Monstros S.A, de Procurando Nemo, de Os Incríveis, de Carros e de Ratatouille. Mas sempre, a espera e o sofrimento valem a pena. Sempre.

Com Wall•E, minhas expectativas estavam além do normal. O projeto me instigou desde o momento em que surgiram as primeiras fotos, os primeiros vestígios do que seria o filme mais realista da Pixar. Naturalmente, os doze meses que separam o ratinho cozinheiro do robozinho solitário foram de pura ansiedade.

A espera acabou. E, após ter assistido ao filme, descobri que ele é mais um presente da Pixar para o mundo. É uma experiência cinematográfica ousada, única e cativante. Aliás, cativante é a palavra certa. Hoje, são poucos os filmes que conseguem nos prender na poltrona do começo ao fim. E Wall•E, assim como Ratatouille e as outras obras do estúdio, é o tipo de filme que você torce tanto pelos personagens que precisa se controlar para não gritar no cinema “Corre! Vai pelo outro lado! Não! Aaahhh!”.

E se a Pixar buscou se reiventar, ela não o fez apenas na proposta visual, na inclusão de atores reais, ou na quase ausência de diálogos. O foco da trama de Wall•E também é novo na carreira da produtora. Após ter explorado, sempre de forma memorável, a importância da amizade, em Wall•E eles aproveitam a solidão do robozinho para trazer à tona uma linda história de amor, tema presente em segundo plano nas criações anteriores.

Mas detalhes da história não são necessários aqui. Tudo o que você precisa saber é que o filme tem cenas memoráveis, é brilhante em cada frame e torna-se obrigatório assistí-lo no cinema.

Agora, é aguardar ansiosamente até a chegada de Up, que estréia em 29 de maio de 2009.
Vem aí, mais um ano de tortura...

18 de junho de 2008

Poeta fingidor.

Fãs de Fernando Pessoa confiram a série de reportagens feita pela Globo News em comemoração aos 120 anos de nascimento do poeta. Um trabalho feito com muita sensibilidade e competência.

Para assisir, clique aqui.

Simplesmente obrigatório.

16 de junho de 2008

Eu exterior.

Em um texto recente falei sobre o site de design e fotografia FFFOUND!
Pois em um dia qualquer destes, estava em minha busca diária - e incansável - por inspiração no referido e acabei encontrando mais do isso.
Encontrei uma caricatura d’eu mesmo.

A primeira reação, claro, foi a gargalhada. Depois, veio a surpresa; era incrível pensar que desenharam alguém (ou um personagem fictício, quem sabe) muito parecido com a minha pessoa. Claro, não é idêntico. Estou longe de ser assim tão cabisbaixo ou apático. Mas o cabelo, os óculos e a camiseta (tenho uma igualzinha), são muito parecidos.
Enfim, o considero uma “leitura livre do meu eu exterior”.

Fiquei tão eufórico quando o encontrei, que esqueci de ver de onde e quem era o artista plástico que o havia feito. Do Brasil, tenho certeza que não era - muito menos um conhecido.

Mas acho que isso pouco importa, afinal.
Queria mesmo era saber se existe um outro "eu" vagando por esse mundo.
Teria ele um blog igual a este?

O nada tem algo a dizer.

Eu não tenho nada a dizer. Mas o nada tem.
Alguma idéia. Algum assunto para escrever aqui.
O nada deve ter mesmo algo a dizer.
Bom, espero que sim.
Porque eu, não tenho nada a dizer.
Nem aqui e nem ali.
Nada.

5 de junho de 2008

29 de maio de 2008

A chuva varreu o silêncio da escuridão.
Agora a luz chega. Reflete. Brinca. Faz graça.
Não deixa em paz estas águas sossegadas.
Sobre elas, apenas palavras impronunciadas.

26 de maio de 2008

José Saramago assiste Ensaio Sobre a Cegueira

Pensando bem, acho que verei, sim, esse filme. rs

21 de maio de 2008

Dúvida cega.

Pela primeira vez na vida estou com receio de ver um filme.

E não é um filme qualquer, é o novo do Fernando Meirelles, Ensaio Sobre a Cegueira, que abriu o 61º Festival de Cannes.

Vibrei quando o filme foi anunciado e acompanhei o blog de produção do Meirelles desde o instante em que foi criado, aguardando ansiosamente por cada novo texto. Por esse e outros motivos, tenho a certeza de que o filme é brilhante, com direção cuidadosa e fotografia e atuações já batendo na porta do Oscar.

No entanto, o filme é a adaptação da genial obra de José Saramago, que está no topo da minha lista de livros favoritos – até agora. Engraçado, pois sempre gostei de assistir filmes que são adaptações de obras literárias, apreciando, principalmente, o trabalho dos roteiristas.

Só que ainda não consigo conceber a idéia de substituir os personagens que criei em minha mente por atores hollywoodianos. Não quero trocar a minha “mulher do médico”, de pele morena esbranquiçada, cabelo escuro e curto, por Julianne Moore, ruiva e cheia de sardas. Ou ainda o próprio “médico”, doutor experiente, com cabelos grisalhos e voz rouca, pela jovialidade de Mark Ruffalo.

São excelentes artistas, sem dúvida. Mas não são os personagens-sem-nome que o Saramago me estimulou a construir.

O bom de tudo isso é que o filme só estréia por aqui em setembro. Até lá, após reler mais uma vez o livro, considerarei a possibilidade de assistí-lo.

Agora, depois de compartilhar meu aflito, fica irônico lembrar que ao terminar o livro pela primeira vez, falei pra mim mesmo “isso daria um puta filme!”